Intensificar o significado do texto
através de formas tipográficas, tornou Robert Massin num pioneiro dos anos 60.
Autodidata: tipógrafo experimental, designer de livros e director artístico,
trabalhou em algumas das mais importantes editoras francesas como Club
Française du Livre (1948-52 como designer), Club du Meilleur Livre (1952-58
como director artístico) e em 1958 na Gallimard, onde esteve durante 20 anos e
foi director artístico. Todos estes anos permitem-lhe contactar e trabalhar com
nomes importantíssimos da literatura e do teatro da época, tendo liberdade para
desenvolver um trabalho mais expressivo: explorando algumas das principais
características do teatro e do cinema, nomeadamente, o tempo, espaço, movimento
e emoções, naquilo que Latetia Wolff classifica como “the dynamism of the
theatre within the static confines of the book.”. O seu apreço e sensibilidade por
estas artes (e alguma experiencia de trabalho nelas) levou à construção e
produção de obras que, juntamente com outras, contribuíram para um período do
grafismo francês muito interessante e um dos melhores contributos do país para
o design gráfico. Escreve ainda sob o pseudónimo Claude Menuet.
Nasce a 1925, em Boisvillete,
Eure-et-Loir, França e aos quatro anos o pai dá-lhe uma placa de pedra com o
seu nome traçado, juntamente com um martelo e um cinzel para as mão,
pedindo-lhe de seguida que grava-se o seu nome numa pedra: "This remains
in my imagination a founding moment of my interest in letters and all graphic
things,". Começa a trabalhar pouco depois da Segunda Guerra Mundial,
quando regressa a Paris e torna-se designer ao conseguir um trabalho num clube
do livro. Uma vez que não tinha conhecimentos na área foi conduzido a uma
tipografia onde foi confrontado com os tipos móveis e começou por compor o seu
nome. Alguns dos seus primeiros trabalhos de design foram desenvolvidos sob a
orientação de Pierre Faucheux – director artístico do Club Français du Livre, associado
normalmente aos poetas da avant-garde francesa e alguém que foi sempre e ainda
é alvo da sua admiração: "Faucheux had been one of the first
designer/typographers to emphasize the importance of dynamic typography and
documentary iconography on covers, at a time when illustration had not yet been
replaced by photography. For my first
covers, I was asking myself, 'What would Pierre Faucheux think?'"
Massin pertence então a uma geração que
viveu entre mudanças tecnológicas, nomeadamente na composição de texto e
impressão, e que desenvolveu a poesia visual europeia, ou seja a junção de
coisas diferentes para criar uma nova experiência ou evocar emoções
inesperadas. Esta poesia ao nível do design gráfico reflectia-se na manipulação
através de colagens, montagens, e outras técnicas fotográficas, com a
finalidade de se obter imagens capazes de transmitir ideias e sentimentos.
Para além de Faucheux, Massin trabalhou
com outros intelectuais da altura, principalmente escritores, com quem
desenvolveu importantes trabalhos, como Aragão, Simone de Beauvoir, Jean Genet, Raymond Queneau, Ionesco, Steinbeck, Jean Giono, André Malraux, Jean Cocteau, Celine Le Clézio, André Breton,
Jacques Prévert, Marguerite
Duras, Montherlant, Michel Foucault, Tristan
Tzara, Henri Michaux, Antonin Artaud, Marguerite
Yourcenar, Philippe Sollers, Michel Leiris, Michel
Tournier, Dos Passos, Albert Camus, Sartre,
Kundera, Marcel Ayme,
Michel Butor, Paul
Morand, Octavio Paz,
Georges Perec, entre
outros. Dentro do mundo do design, do cinema e da arte, trabalhou com Dubuffet,
Alexieff, André François, Brassaï, Robert Doisneau, César, Marcel Duchamp,
Folo , Giacometti,
Gisèle Freud, Jean Renoir, Karel Appel,
Man Ray, André Masson,
Chagall, Mateus, Max Ernst, Miró, Soulages,
Sempé, Topor, Willy Ronis, Jacques Tati,
Cartier-Bresson, Savignac, etc. “C’est dire qu’en
quelque sorte, je dois être la mémoire du dernier demi-siècle!”
Revolução Editorial: Um Novo Objecto
Depois de anos de ocupação Nazi e
escassos livros verifica-se uma revolução na edição do pós-guerra, com os
clubes de livros a serem o principal meio de publicação, divulgação e distribuição
de literatura em França. O livro era pensado como o objecto que não devia
competir pela atenção do público, mas ser-lhe “levado” directamente. Neste
sentido e no caso do Club du Meilleur Livre, publicavam-se livros escolhidos
pelos membros, desde clássicos, a traduções ou outro tipo de trabalho, que
mostrava o entusiamo da editora. O designer tinha a oportunidade de encontrar
soluções individuais para cada trabalho, sendo responsável não só pelo seu layout
mas também por todos os aspectos da sua produção. O livro deixou de ser “this rectangular parallelepiped as thick and
inert as a brick, but something living”, considerado por Faucheux “a new
OBJECT…whose character would be determined by the choice of type, the
proportion of the text area within the selected format, and their déroulement
in time and space”. Os
trabalhos de Massin reflectem este contexto: cada projecto nasce e
desenvolve-se tendo em conta o seu conteúdo e cada página e/ou conjunto de páginas
criada(s) procura transmitir ideias. No fundo, trata-se de um princípio de
responsabilidade para com o leitor, de lhe proporcionar uma leitura mais
confortável, que Massin defendia. As composições tipográficas e dinâmicas, que
componha, pretendiam ser formas visuais concretas e expressivas, estando
relacionadas com o trabalho de autores futuristas e dadaístas. No entanto, a
intensidade literária, ou por outras palavras a importância do conteúdo, que
reflectem é o que o diferencia de outros autores.
O seu trabalho na Gallimard esteve
sempre assente nos ideais: “Manter, restaurar, renovar”. A sua presença nesta
editora foi particularmente importante, pois foi o responsável pela
transformação da imagem tradicional desta editora, produzindo uma série de
livros de poesia e drama, muito aclamados pelo seu tratamento tipográfico, e
pela forma como palavra e imagem foram integrados em formas visuais dinâmicas,
com o objectivo de melhorar a compreensão do texto. A série Folio, criada em 1972,
é uma das mais importantes, não só porque Massin conseguir desenhar mais de 300
capas em menos de seis meses, mas sobretudo porque esta colecção é o exemplo
francês num mercado europeu de paperbacks em expansão, com todas as editoras a
dar aos seus livros um estilo identificável e estandardizado, através dos
formatos de capa, layouts e tipos de letra, como por exemplo a Deutscher Taschenbuchverlag
na Alemanha e a Penguin em Inglaterra. Massin viu o livro como uma peça de design industrial, como “a
locomotive, a sewing machine or a coffee mill, the aim is the same: to give a
pleasing form to an essential object.” E quis produzir livros que fossem lidos
e guardados. Caraterizava as capas Folio como um rectângulo branco, aludindo á
folha de papel que o escritor tem à frente e onde é necessário colocar um nome
ou uma imagem. A fonte utilizada é a Baskerville e verifica-se uma separação
evidente entre texto e imagem, que podia ser desenhado por ele ou encomendada a
outros. Mesmo se tratando de um livro de bolso, o autor afirma
que a capa é comparavél a um poster: “There is no real difference between a
poster and a book cover: they both have to be seen as you move past them, and
they have to impress you quickly and convincingly.” Trata-se da
colecção que levou a Gallimard a um número de leitores cada vez maior e ainda hoje
é muito bem recebida pelo público francês.
Idées nrf foi outra série pensada por
Massin, que especificou a caixa baixa e a letra sem serifa, e ainda desenhou os
símbolos que seriam introduzidos na capa em 1964, para classificar os vários
géneros. Contudo grande parte das ilustrações das capas ficaram
sob a responsabilidade de Henry Cohen, com quem já tinha trabalho no Club du
Meilleur Livre e para quem escreveu numa exposição: “When you look at the
hundreds of covers, you marvel at the graphic quality of the series and the
consistent intention shown by the photographer across such diversity (even more
so when the text is of a philosophical nature that doesn’t suggest the
picturesque), at his skilful play with shadow and light, and at the delicious
blend of poetry and a sometimes surrealist humour.”
A sua primeira e importante peça de
design nesta editora foi a edição da obra de Raymond Queneau, Exercices de
Style, em 1963, que estuda os estilos narrativos repetindo a mesma pequena
história 99 vezes de formas diferentes. Os tipos de letra utilizados mostravam
as variações dos textos, através dos títulos que sugeriam o tipo de narrativa
que lhes seguia – tornando o estilo tipográfico parte da expressão e
significado do texto, usando vários tipos de retorica visual. Este livro já
tinha sido editado em 1956, por Faucheux, sob o ideal de estabelecer ligações
entre texto e a sua expressão gráfica, sendo uma grande influência no projecto
de Massin.
Sonoridade Tipográfica
Relacionado directamente com a sua
paixão pelo teatro, La Cantatrice Chauve de 1964, traduzido para americano, The
Bald Soprano em 1965 e para inglês, The Bald Prima Donna em 1966, é uma
representação fiel da peça de Eugène Ionesco, que Massin visualizou certa de 20
vezes e gravou, no sentido de captar todas as entoações e pausas. É um livro
que integra texto e imagem, com grande expressividade tipográfica e
compositiva, que apresenta diálogos entre personagens ao longo de várias
páginas, e em que as figuras representadas aparecem exactamente no mesmo local
em que estavam no palco – a sua mudança de posição é acompanhada pela mudança
de layout. Um dos grandes contrastes nesta obra recai na relação entre o
dinamismo da tipografia e as imagens estáticas das personagens a preto e
branco, que eram fotografias de alto contraste de Henry Cohen. A cada
personagem foi atribuído um tipo de letra diferente, que varia de acordo com o
que é dito, por exemplo sussurros são mostrados em pequenas e delicadas letras,
enquanto que gritos são expressos em bolds e em grandes tamanhos. Mr Smith fala
em Platin Roman, e a sua esposa em italico; Mr e Mrs Martin falam em Grotesque
215 e Gill Italico; ao bombeiro foi atribuído a semi-bold Egyptian e a Marie a
Gheltenham bold. Composições com letras de diferentes tamanhos e disposições
referem-se a confrontações, enquanto que as artes mais entediantes da peça, são
expressas através de arranjos também eles entediantes – uma cena que demora 2
minutos, prolonga-se durante 48 páginas. Não se utiliza pontuação, com excepção
de exclamações e interrogações. No fundo, La Cantatrice Chauve – um clássico
dos palcos franceses – é um dos expoentes máximos da introdução do tempo e
espaço na página impressa, através da experimentação e do tratamento
tipográfico.
Em 1966, volta a trabalhar com Ionesco,
na Délire à Deux, muito semelhante á La Cantatrice Chauve. O homem fala em
Garamond e a mulher em Garamond italic, com frases em cinco ângulos diferentes
e onde Massin procurou traduzir a voz humana em diferentes pesos. Neste mesmo
ano desenha as seis vozes da Conersation-Sinfonietta, de Jean Tardiu, numa
aproximação do diálogo à música, de acordo com os registos musicais.
Estabeleceu as vozes agudas na parte superior da folha, enquanto que as vocês
graves são colocadas no limite inferior da página. Outra das obras relacionadas
com a música é“La Foul”, de Edith Piaf, em que Massin produz a “vocal
calligram”, com o objectivo de reconstruir tanto o som como o timbre da voz.
Massin: Universo Gráfico e Visual
La Lettre et l’Image, de 1970 é o
primeiro e um dos principais livros da autoria de Massin. A pesquisa de 15 anos
mostra o seu grande interesse pelas várias formas tipográficas, resultando num
estudo sobre interação entre letras e imagens através dos séculos. Partilha o
seu entusiasmo pela grande variedade de formas tipográficas, desde os
manuscritos, á publicidade, colagens cubistas, caligrafia árabe, tipografia
dadaísta, graffiti, rótulos de embalagens a todos os tipos de capas de livros.
Esta obra surge numa altura em que Helvetica e Universo eram os tipos de
eleição, levantando questões sobre a expressão das formas tipográficas, um
assunto considerado de menor importância por muitos designers da altura. A
propósito deste livro, Roland Barthes felicita Massin pela sua falta de estudos
académicos, que lhe permitiu manter a frescura na observação e evitou a
especialização. “Therefore, what Jan
Tschichold didi for the New Typography, Massin did for a new eclecticism
through Letter and Image”
Outras
obras de grande importância são o seu livro L’ABC du Metier (1989), uma
autobiografia visual do seu mundo gráfico, os seus anos de criança são
recordados pelas imagens e marcas comercias e adopta algumas técnicas do
cinema, como mudanças de escala e efeitos zoom. Quando termina este livro propõem-se
a usufruir da rapidez e oportunidade de modificar e corrigir uma forma
facilmente, completando um dos seus trabalhos que já tinha alguns anos, como é
o caso de Cocteau’s Les Mariés sur la
Tour Eiffel. Cent Mille
Millards de Poèmes, de Raymond Queneau. Em “L’Or”, Massin corta letras
do posters Americanos de 1948 e usa-as no estilo visual da California Gold
Rush. Ubu, de Alfred Jarry, de 1958, pelo Le Club du Mellieur Livre, com
ilustrações de André François.
Quando deixa a Gallimard o seu percurso
continua ao criar a Typographies Expressives, uma associação que procurava
promover a edição de obras que exploram graficamente a relação entre a voz
humana, e a música e a tipografia.
“Regardless of the topic of a work, Massin’s primary concern has been to
give visual reality to the literary content. He accomplished this through his
innovative use of letters and letterforms, their selection and placement.” O grande objectivo
de Massin foi sempre encontrar o equilíbrio entre legibilidade e expressão
gráfica e encontrou essa possibilidade no objecto-livro, que desde sempre faz
parte da sua vida. Nele viu o suporte para a ‘tipografia expressiva e
experimental’ que caracteriza os seus trabalhos e que reflecte os contactos que
fez ao longo da sua carreira, com escritores e artistas, e a sua paixão pelas
artes.
Massin é mais do que um designer de
livros, é também o pensador e o produtor dos mesmos.
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