sábado, 27 de abril de 2013

Robert Massin

“try to penetrate beyond mere ‘layout’ and to use paper, type and ink as flexible means towards a cultivated and flexible interpretation in print of the author’s written text”.

Intensificar o significado do texto através de formas tipográficas, tornou Robert Massin num pioneiro dos anos 60. Autodidata: tipógrafo experimental, designer de livros e director artístico, trabalhou em algumas das mais importantes editoras francesas como Club Française du Livre (1948-52 como designer), Club du Meilleur Livre (1952-58 como director artístico) e em 1958 na Gallimard, onde esteve durante 20 anos e foi director artístico. Todos estes anos permitem-lhe contactar e trabalhar com nomes importantíssimos da literatura e do teatro da época, tendo liberdade para desenvolver um trabalho mais expressivo: explorando algumas das principais características do teatro e do cinema, nomeadamente, o tempo, espaço, movimento e emoções, naquilo que Latetia Wolff classifica como “the dynamism of the theatre within the static confines of the book.”. O seu apreço e sensibilidade por estas artes (e alguma experiencia de trabalho nelas) levou à construção e produção de obras que, juntamente com outras, contribuíram para um período do grafismo francês muito interessante e um dos melhores contributos do país para o design gráfico. Escreve ainda sob o pseudónimo Claude Menuet.

            Nasce a 1925, em Boisvillete, Eure-et-Loir, França e aos quatro anos o pai dá-lhe uma placa de pedra com o seu nome traçado, juntamente com um martelo e um cinzel para as mão, pedindo-lhe de seguida que grava-se o seu nome numa pedra: "This remains in my imagination a founding moment of my interest in letters and all graphic things,". Começa a trabalhar pouco depois da Segunda Guerra Mundial, quando regressa a Paris e torna-se designer ao conseguir um trabalho num clube do livro. Uma vez que não tinha conhecimentos na área foi conduzido a uma tipografia onde foi confrontado com os tipos móveis e começou por compor o seu nome. Alguns dos seus primeiros trabalhos de design foram desenvolvidos sob a orientação de Pierre Faucheux – director artístico do Club Français du Livre, associado normalmente aos poetas da avant-garde francesa e alguém que foi sempre e ainda é alvo da sua admiração: "Faucheux had been one of the first designer/typographers to emphasize the importance of dynamic typography and documentary iconography on covers, at a time when illustration had not yet been replaced by photography. For my first covers, I was asking myself, 'What would Pierre Faucheux think?'"

Massin pertence então a uma geração que viveu entre mudanças tecnológicas, nomeadamente na composição de texto e impressão, e que desenvolveu a poesia visual europeia, ou seja a junção de coisas diferentes para criar uma nova experiência ou evocar emoções inesperadas. Esta poesia ao nível do design gráfico reflectia-se na manipulação através de colagens, montagens, e outras técnicas fotográficas, com a finalidade de se obter imagens capazes de transmitir ideias e sentimentos.

Para além de Faucheux, Massin trabalhou com outros intelectuais da altura, principalmente escritores, com quem desenvolveu importantes trabalhos, como Aragão, Simone de Beauvoir, Jean Genet, Raymond Queneau, Ionesco, Steinbeck, Jean Giono, André Malraux, Jean Cocteau, Celine Le Clézio, André Breton, Jacques Prévert, Marguerite Duras, Montherlant, Michel Foucault, Tristan Tzara, Henri Michaux, Antonin Artaud, Marguerite Yourcenar, Philippe Sollers, Michel Leiris, Michel Tournier, Dos Passos, Albert Camus, Sartre, Kundera, Marcel Ayme, Michel Butor, Paul Morand, Octavio Paz, Georges Perec, entre outros. Dentro do mundo do design, do cinema e da arte, trabalhou com Dubuffet, Alexieff, André François, Brassaï, Robert Doisneau, César, Marcel Duchamp, Folo , Giacometti, Gisèle Freud, Jean Renoir, Karel Appel, Man Ray, André Masson, Chagall, Mateus, Max Ernst, Miró, Soulages, Sempé, Topor, Willy Ronis, Jacques Tati, Cartier-Bresson, Savignac, etc. “C’est dire qu’en quelque sorte, je dois être la mémoire du dernier demi-siècle!”

Revolução Editorial: Um Novo Objecto

Depois de anos de ocupação Nazi e escassos livros verifica-se uma revolução na edição do pós-guerra, com os clubes de livros a serem o principal meio de publicação, divulgação e distribuição de literatura em França. O livro era pensado como o objecto que não devia competir pela atenção do público, mas ser-lhe “levado” directamente. Neste sentido e no caso do Club du Meilleur Livre, publicavam-se livros escolhidos pelos membros, desde clássicos, a traduções ou outro tipo de trabalho, que mostrava o entusiamo da editora. O designer tinha a oportunidade de encontrar soluções individuais para cada trabalho, sendo responsável não só pelo seu layout mas também por todos os aspectos da sua produção. O livro deixou de ser “this rectangular parallelepiped as thick and inert as a brick, but something living”, considerado por Faucheux “a new OBJECT…whose character would be determined by the choice of type, the proportion of the text area within the selected format, and their déroulement in time and space”. Os trabalhos de Massin reflectem este contexto: cada projecto nasce e desenvolve-se tendo em conta o seu conteúdo e cada página e/ou conjunto de páginas criada(s) procura transmitir ideias. No fundo, trata-se de um princípio de responsabilidade para com o leitor, de lhe proporcionar uma leitura mais confortável, que Massin defendia. As composições tipográficas e dinâmicas, que componha, pretendiam ser formas visuais concretas e expressivas, estando relacionadas com o trabalho de autores futuristas e dadaístas. No entanto, a intensidade literária, ou por outras palavras a importância do conteúdo, que reflectem é o que o diferencia de outros autores. 

O seu trabalho na Gallimard esteve sempre assente nos ideais: “Manter, restaurar, renovar”. A sua presença nesta editora foi particularmente importante, pois foi o responsável pela transformação da imagem tradicional desta editora, produzindo uma série de livros de poesia e drama, muito aclamados pelo seu tratamento tipográfico, e pela forma como palavra e imagem foram integrados em formas visuais dinâmicas, com o objectivo de melhorar a compreensão do texto. A série Folio, criada em 1972, é uma das mais importantes, não só porque Massin conseguir desenhar mais de 300 capas em menos de seis meses, mas sobretudo porque esta colecção é o exemplo francês num mercado europeu de paperbacks em expansão, com todas as editoras a dar aos seus livros um estilo identificável e estandardizado, através dos formatos de capa, layouts e tipos de letra, como por exemplo a Deutscher Taschenbuchverlag na Alemanha e a Penguin em Inglaterra. Massin viu o livro como uma peça de design industrial, como “a locomotive, a sewing machine or a coffee mill, the aim is the same: to give a pleasing form to an essential object.” E quis produzir livros que fossem lidos e guardados. Caraterizava as capas Folio como um rectângulo branco, aludindo á folha de papel que o escritor tem à frente e onde é necessário colocar um nome ou uma imagem. A fonte utilizada é a Baskerville e verifica-se uma separação evidente entre texto e imagem, que podia ser desenhado por ele ou encomendada a outros. Mesmo se tratando de um livro de bolso, o autor afirma que a capa é comparavél a um poster: “There is no real difference between a poster and a book cover: they both have to be seen as you move past them, and they have to impress you quickly and convincingly.” Trata-se da colecção que levou a Gallimard a um número de leitores cada vez maior e ainda hoje é muito bem recebida pelo público francês.

Idées nrf foi outra série pensada por Massin, que especificou a caixa baixa e a letra sem serifa, e ainda desenhou os símbolos que seriam introduzidos na capa em 1964, para classificar os vários géneros. Contudo grande parte das ilustrações das capas ficaram sob a responsabilidade de Henry Cohen, com quem já tinha trabalho no Club du Meilleur Livre e para quem escreveu numa exposição: “When you look at the hundreds of covers, you marvel at the graphic quality of the series and the consistent intention shown by the photographer across such diversity (even more so when the text is of a philosophical nature that doesn’t suggest the picturesque), at his skilful play with shadow and light, and at the delicious blend of poetry and a sometimes surrealist humour.”

A sua primeira e importante peça de design nesta editora foi a edição da obra de Raymond Queneau, Exercices de Style, em 1963, que estuda os estilos narrativos repetindo a mesma pequena história 99 vezes de formas diferentes. Os tipos de letra utilizados mostravam as variações dos textos, através dos títulos que sugeriam o tipo de narrativa que lhes seguia – tornando o estilo tipográfico parte da expressão e significado do texto, usando vários tipos de retorica visual. Este livro já tinha sido editado em 1956, por Faucheux, sob o ideal de estabelecer ligações entre texto e a sua expressão gráfica, sendo uma grande influência no projecto de Massin.

Sonoridade Tipográfica

Relacionado directamente com a sua paixão pelo teatro, La Cantatrice Chauve de 1964, traduzido para americano, The Bald Soprano em 1965 e para inglês, The Bald Prima Donna em 1966, é uma representação fiel da peça de Eugène Ionesco, que Massin visualizou certa de 20 vezes e gravou, no sentido de captar todas as entoações e pausas. É um livro que integra texto e imagem, com grande expressividade tipográfica e compositiva, que apresenta diálogos entre personagens ao longo de várias páginas, e em que as figuras representadas aparecem exactamente no mesmo local em que estavam no palco – a sua mudança de posição é acompanhada pela mudança de layout. Um dos grandes contrastes nesta obra recai na relação entre o dinamismo da tipografia e as imagens estáticas das personagens a preto e branco, que eram fotografias de alto contraste de Henry Cohen. A cada personagem foi atribuído um tipo de letra diferente, que varia de acordo com o que é dito, por exemplo sussurros são mostrados em pequenas e delicadas letras, enquanto que gritos são expressos em bolds e em grandes tamanhos. Mr Smith fala em Platin Roman, e a sua esposa em italico; Mr e Mrs Martin falam em Grotesque 215 e Gill Italico; ao bombeiro foi atribuído a semi-bold Egyptian e a Marie a Gheltenham bold. Composições com letras de diferentes tamanhos e disposições referem-se a confrontações, enquanto que as artes mais entediantes da peça, são expressas através de arranjos também eles entediantes – uma cena que demora 2 minutos, prolonga-se durante 48 páginas. Não se utiliza pontuação, com excepção de exclamações e interrogações. No fundo, La Cantatrice Chauve – um clássico dos palcos franceses – é um dos expoentes máximos da introdução do tempo e espaço na página impressa, através da experimentação e do tratamento tipográfico.

Em 1966, volta a trabalhar com Ionesco, na Délire à Deux, muito semelhante á La Cantatrice Chauve. O homem fala em Garamond e a mulher em Garamond italic, com frases em cinco ângulos diferentes e onde Massin procurou traduzir a voz humana em diferentes pesos. Neste mesmo ano desenha as seis vozes da Conersation-Sinfonietta, de Jean Tardiu, numa aproximação do diálogo à música, de acordo com os registos musicais. Estabeleceu as vozes agudas na parte superior da folha, enquanto que as vocês graves são colocadas no limite inferior da página. Outra das obras relacionadas com a música é“La Foul”, de Edith Piaf, em que Massin produz a “vocal calligram”, com o objectivo de reconstruir tanto o som como o timbre da voz.

Massin: Universo Gráfico e Visual

La Lettre et l’Image, de 1970 é o primeiro e um dos principais livros da autoria de Massin. A pesquisa de 15 anos mostra o seu grande interesse pelas várias formas tipográficas, resultando num estudo sobre interação entre letras e imagens através dos séculos. Partilha o seu entusiasmo pela grande variedade de formas tipográficas, desde os manuscritos, á publicidade, colagens cubistas, caligrafia árabe, tipografia dadaísta, graffiti, rótulos de embalagens a todos os tipos de capas de livros. Esta obra surge numa altura em que Helvetica e Universo eram os tipos de eleição, levantando questões sobre a expressão das formas tipográficas, um assunto considerado de menor importância por muitos designers da altura. A propósito deste livro, Roland Barthes felicita Massin pela sua falta de estudos académicos, que lhe permitiu manter a frescura na observação e evitou a especialização. “Therefore, what Jan Tschichold didi for the New Typography, Massin did for a new eclecticism through Letter and Image”

            Outras obras de grande importância são o seu livro L’ABC du Metier (1989), uma autobiografia visual do seu mundo gráfico, os seus anos de criança são recordados pelas imagens e marcas comercias e adopta algumas técnicas do cinema, como mudanças de escala e efeitos zoom. Quando termina este livro propõem-se a usufruir da rapidez e oportunidade de modificar e corrigir uma forma facilmente, completando um dos seus trabalhos que já tinha alguns anos, como é o caso de Cocteau’s Les Mariés sur la Tour Eiffel. Cent Mille Millards de Poèmes, de Raymond Queneau. Em “L’Or”, Massin corta letras do posters Americanos de 1948 e usa-as no estilo visual da California Gold Rush. Ubu, de Alfred Jarry, de 1958, pelo Le Club du Mellieur Livre, com ilustrações de André François.

            Quando deixa a Gallimard o seu percurso continua ao criar a Typographies Expressives, uma associação que procurava promover a edição de obras que exploram graficamente a relação entre a voz humana, e a música e a tipografia.  

“Regardless of the topic of a work, Massin’s primary concern has been to give visual reality to the literary content. He accomplished this through his innovative use of letters and letterforms, their selection and placement.” O grande objectivo de Massin foi sempre encontrar o equilíbrio entre legibilidade e expressão gráfica e encontrou essa possibilidade no objecto-livro, que desde sempre faz parte da sua vida. Nele viu o suporte para a ‘tipografia expressiva e experimental’ que caracteriza os seus trabalhos e que reflecte os contactos que fez ao longo da sua carreira, com escritores e artistas, e a sua paixão pelas artes.

Massin é mais do que um designer de livros, é também o pensador e o produtor dos mesmos.

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